quarta-feira, 30 de setembro de 2009

O CASO DOS AMENDOINS



Tudo o que é preciso saber antes de ampliar o seu negócio - ou de como há mais coisa entre você e o seu lucro do que pode imaginar a vã filosofia...
(Texto utilizado pela School of Business Administration da University of Western Ontario, Canadá)

Jonas Gudaidias, dono de uma pequena casa de lanches rápidos, decidiu colocar sobre o balcão do estabelecimento uma prateleira com alguns saquinhos de amendoins com a esperança de faturar um dinheiro extra. Comunicou a importante decisão ao seu homem de confiança, o contador, que de tão perspicaz e rápido em defender seus pontos de vista, sempre pareceu a Gudaidias um super-herói das finanças. Aqui, segue a conversa entre os dois:

S-HTF - Sr. Gudaidias, o senhor disse que colocou estes amendoins aqui no balcão porque alguns clientes estavam pedindo. Mas eu pergunto: será que o senhor sabe mesmo quanto os tais amendoins vão lhe custar?

Gudaidias - Do que você está falando? É claro que não vão custar grande coisa! Amendoim é artigo barato. Por isso, vão dar lucro, um belo lucro. Eu paguei uns R$ 250,00 por esta prateleira, assim os amendoins vão chamar mais atenção dos fregueses, mas esta despesa é praticamente nada. Depois, cada saquinho me custa R$ 0,50 e eu vou vender por R$ 1,00. Espero vender 50 por semana, para começar, e se tudo correr como eu imagino, em cinco semanas eu cubro os custos da prateleira. Depois disso, passo a ganhar R$ 0,50 quatro cruzados em cada saquinho de amendoim.

S-HFT - Lamento dizer, sr. Gudaidias, mas essa é uma abordagem antiquada, ultrapassada e absolutamente não-realista. Não é assim que se raciocina quando se quer decidir pela implantação de um negócio. Felizmente, os modernos procedimentos contábeis permitem traçar um quadro mais preciso da situação que, indiscutivelmente, revelará complexidades subjacentes, importantíssimas de se levar em conta antes de seguir em frente.

Gudaidias
- O que?

S-HFT - Calma, calma, eu explico. O senhor não pode pensar nesses amendoins isoladamente. Eles devem ser integrados às suas operações comerciais. Isso significa que os amendoins precisam arcar com a sua parcela nos custos gerais do negócio. Eles não podem, de maneira alguma, ficar alheios à parte que lhes cabe nos gastos do aluguel, aquecimento, luz, depreciação dos equipamentos, decoração, salários das garçonetes, do cozinheiro...

Gudaidias - Do cozinheiro? Mas o que é que o cozinheiro tem a ver com os amendoins? Ele nem sabe que eu tenho os amendoins...

S-HTF - Veja bem, sr. Gudaidias, acompanhe o meu raciocínio. O seu cozinheiro está, como não poderia deixar de ser, na cozinha, e é a cozinha que prepara a comida. A comida atrai as pessoas para cá, e são as pessoas que perguntam se o senhor tem amendoins para vender. É por isso que o senhor deve fazer com que os amendoins paguem uma parte do ordenado do cozinheiro e também uma parte dos seus próprios ganhos. Nestas contas que eu fiz com cuidado, levando em consideração todos os custos da casa, fica bem claro: o negócio dos amendoins precisa arcar, anualmente, com R$ 127,87 das despesas gerais.

Gudaidias - Os amendoins? 127 reais por ano de despesas gerais? Os coitados dos amendoins?

S-HTF - Na ponta do lápis, é um pouco mais do que isto. Não se pode esquecer que o senhor também gasta dinheiro todas as semanas para lavar as prateleiras, para mandar varrer o chão e para repor o sabonete do toalete. Com isso, os custos atingem R$ 131,31 ao ano.

Gudaidias - (pensativo) Mas quem me vendeu os amendoins me garantiu que eu ia ganhar um bom dinheiro com eles. É só colocar os saquinhos à vista do freguês e ir faturando cinqüenta centavinhos de lucro em cada um, ele me disse.

S-HTF - (com um certo ar de superioridade) Acontece que esse vendedor não é um teórico em Finanças, como eu. Não leva os detalhes em conta. Por exemplo, o senhor sabe quanto vale aquele canto no balcão onde está a prateleira dos amendoins?

Gudaidias - Que eu saiba, nada. Não me serve para nada; é só um pedaço de balcão sem utilidade.

S-HTF - Um enfoque moderno de custos não permite a existência de locais sem limites num negócio. O seu balcão tem cerca de seis metros quadrados, e fatura torno de R$ 150.000,00 por ano. Calculei com precisão o espaço ocupado pela prateleira dos amendoins e posso afirmar que ela lhe custa R$ 25.000,00 por ano. Como a prateleira está impedindo que o balcão seja usado, não há outra alternativa senão cobrar a ocupação do balcão.

Gudaidias - Isso por acaso quer dizer que eu vou ter de repassar mais esses R$ 25.000,00 para o preço dos amendoins?

S-HTF - Exatamente. O que elevaria a sua parcela de custos operacionais gerais com os amendoins para um total final e definitivo de R$ 156,13 por ano. Ora, como o senhor pretende vender 50 saquinhos de amendoins por semana, se efetuarmos a alocação dos custos, vamos constatar que estes saquinhos deverão ser vendidos por R$ 2,80 cada um, e não por R$ 1,00.

Gudaidias - O que?

S-HTF - Ah! Ainda estamos esquecendo uma coisa: a esse preço, deve ser acrescentado o custo da compra de R$ 0,50 por saquinho, o que perfaz um total de R$ 30,00 por semana. Deste modo, o senhor há de compreender que, vendendo amendoins a R$ 1,00, como era a sua intenção, estará incorrendo num prejuízo de R$ 29,00 em cada venda. Portanto, o amendoim terá que ser comercializado a R$ 31,00.

Gudaidias - Mas isso é uma loucura!

S-HTF - De jeito nenhum! Os números não mentem jamais, e eles provam que o seu negócio de amendoins não tem futuro.

Gudaidias - (com ar de quem descobriu o pulo do gato) E se eu vender muito, muito amendoim, digamos 1.000 saquinhos por semana em vez de 50?

S-HTF - (com toda paciência do mundo) Sr. Gudaidias, parece que o senhor não compreende o problema... Se o volume de vendas aumentar, os gastos operacionais também aumentarão. O senhor terá mais trabalho, isso lhe tomará mais tempo e, como haverá mais mercadoria em jogo, a depreciação será maior. O princípio básico da contabilidade é inequívoco nesse ponto: "Quanto maior a operação, maiores as despesas gerais a serem alocadas". Não, não, infelizmente aumentar o volume de vendas não vai ajudar neste caso. Análises modernas de custos são para isso mesmo, sr. Gudaidias. Para que não haja ilusões no mundo dos negócios.

Gudaidias - Tudo bem, tudo bem. Então o que é que eu faço?

S-HTF - (condescendente) Bem, o senhor poderia reduzir os custos operacionais. Para começar, mude-se para um prédio de aluguel mais barato. Depois, reduza os salários dos seus funcionários. Passe a lavar as janelas a cada 15 dias e mande varrer o chão só às quintas-feiras. Acabe com a mordomia do sabonete na pia do toalete. Diminua o valor do metro quadrado do seu balcão. Se com tudo isso o senhor reduzir suas despesas em 50%, a parcela que cabe aos amendoins cairá para R$ 78,56. Ai, os amendoins poderão ser vendidos a R$ 16,50 o saquinho para ter lucro.

Gudaidias - (pasmo) Você quer dizer que, mesmo depois de cortar os meus custos operacionais pela metade, eu ainda vou ter que cobrar R$ 16,50 por saquinho de amendoins? Ninguém é bobo de pagar este preço! Quem é que vai querer comprar os meus amendoins?

S-HTF - Esse são outros quinhentos, sr. Gudaidias. O fato é que a R$ 16,50 o senhor estaria vendendo amendoins a um preço baseado numa real e relevante estimativa dos custos já reduzidos.

Gudaidias - (afobado) Olhe aqui, eu tenho uma idéia melhor. Por que eu não jogo fora de uma vez todos esses malditos amendoins? Que tal se eu colocar todos eles no lixo?

S-HTF - O senhor pode se dar a esse luxo?

Gudaidias - Mas é claro. Eu só comprei 50 saquinhos, que me custaram uns trocados, apenas. Minha maior despesa foi com a prateleira, mas tudo bem prefiro perder esse dinheiro e cair fora desse negócio maluco.

S-HTF - (balançando a cabeça) Aí é que o senhor se engana; as coisas não são assim tão simples. Afinal, o senhor já ingressou o ramo dos amendoins, e no instante em que se desfizer deles estará acrescentando R$ 156,31 - a parte deles, no seu negócio - às despesas gerais anuais da sua operação. Portanto, seja realista: será que o senhor pode mesmo encerrar as vendas dos amendoins?

Gudaidias - (arrasado) Eu não acredito! Na semana passada, eu era um próspero comerciante, tinha pela frente a perspectiva de um dinheiro a mais e agora estou aqui, metido em uma complicação daquelas só porque eu pensei que uns amendoins no balcão poderiam melhorar o meu caixa.

S-HTF - (erguendo a sobrancelha) Vamos, vamos, sr. Gudaidias, não é o fim do mundo. Ainda bem que nós temos essas análises modernas de custos. Sem elas, como poderíamos desfazer falsas ilusões como essa dos amendoins?

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